Marcio Pestana (*)

(*) Doutor e Mestre em Direito. Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da FAAP. Coordenador do Curso de Direito Público do Curso de Pós-Graduação da FAAP. Advogado. Sócio do escritório Pestana e Villasbôas Arruda – Advogados, com sede em São Paulo e filial no Rio de Janeiro.

O art. 37, IX, da Constituição Federal admite a contratação, pela Administração Pública, de temporário­s em razão de necessidade transitória e de excepcional interesse público. Este dispositivo constitucional, na prática, lamentavelmente está tendo seu domínio indevidamente ampliado, pela legislação infra-constitucional, que reiteradamente está desatendendo o requisito de excepcionalidade que deveria estar presente nas situações de exceção de contratação. Tal permissividade legal, ademais, infringe os princípios da eficiência e da razoabilidade instalados explicita e implicitamente no caput do art. 37, da Constituição Federal.

Realmente, se é uma situação excepcional, deveria tratar-se de hipótese de exceção; e, se o princípio da eficiência fosse levado efetivamente a sério, deveria a administração pública planejar e antecipar-se às suas necessidades, otimizando seu quadro de pessoal e evitando que as contratações temporárias e em regime de excepcionalidade não se tornassem de certa maneira recorrentes. E, se é excepcional, que tenha período de contratação fixado com razoabilidade, atendendo ao nexo lógico e jurídico que se estabelece entre a necessidade havida e a sua duração necessária e imprescindível.

A crítica aqui é endereçada aos legisladores que estão promovendo, cremos, por provocação do Executivo, verdadeira mutilação na Lei no 8.745/1993, que justamente deveria disciplinar esta forma excepcional de contratação.

Se examinarmos, ainda que superficialmente, as alterações que sofreu a partir do seu texto originário, constataremos que está ocorrendo um evidente alargamento das situações que autorizariam a contratação temporária, permitindo-nos concluir que determinadas situações ali alojadas estão evidentemente afrontando a exigência constitucional de se exigir o concurso público para o preenchimento dos quadros de pessoal da Administração Pública (art. 37, II, da CF), assim como sinalizando, com veemência, como já se afirmou, que há, no caso, desatendimento à aplicação efetiva dos princípios da eficiência e da razoabilidade, o que acarretaria, às últimas, desconformidade constitucional, merecendo serem assim surpreendidas, através dos mecanismos judiciais colocados à disposição do administrado e das entidades credenciadas pelo ordenamento jurídico para arguir a inconstitucionalidade da disposição legislativa.

Examinemos, a traço ligeiro, algumas das hipóteses constantes da Lei 8.745/1993, nitidamente contrárias à Constituição Federal:

1ª. – assistência a situações de calamidade pública; esta hipótese normativa fora inserida na versão originária da lei em apreço (1993), com prazo de contratação limitado, inicialmente, a 6 meses. Entretanto, segundo alteração legislativa ocorrida em 2005, através da Lei 11.204, admitiu-se que a contratação temporária tivesse a duração pelo período necessário à superação da situação de calamidade pública, desde que não excedesse a 2 anos, prazo esse que nos parece extremamente excessivo para o enfrentamento de uma situação caracterizada pelo vetor emergencial.

2ª. – realização de recenseamentos e outras pesquisas de natureza estatística efetuadas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; trata-se de hipótese normativa, cuja redação foi introduzida em 1999, pela Lei 9.849. Admite-se, aqui, que a contratação se dê por prazo não superior a 2 anos, segundo comando proveniente da Lei 11.784/2008, o que nos parece ser excessivamente amplo, especialmente se considerarmos que a Fundação em questão antevê e dimensiona, com razoável antecedência, a programação de recenseamentos e a realização de pesquisas de natureza estatística, justamente aquelas que se configuram atividades principais que justificam a sua própria existência.

3ª. – admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro; trata-se de hipótese normativa já constante da versão originária da lei (1993), e que determina que a contratação de professor visitante poderá ser efetivada em vista de notória capacidade técnica ou científica do profissional, mediante análise do seu curriculum vitae. O prazo máximo de contratação desses profissionais visitantes será de até 4 anos, o que nos parece um tanto elevado, se considerarmos a atividade marcantemente temporária de um profissional visitante, conforme assim determinado em 2008, pela Lei 11.784.

4ª. – atividades de identificação e demarcação territorial; trata-se de redação atribuída pela Lei 11.784/2008, e que não deveria ser hipótese normativa justificadora da contratação temporária. Tal permissivo legal contraria, com contundência, o princípio da eficiência alojado no caput do art. 37, da Constituição Federal, pois atividades instrumentais e com antecedência divisadas, caso de identificação e demarcação territorial, não possuem, como motivo que justificassem a sua contratação excepcional, a urgência ou premência, especialmente tendo em vista o dispositivo da lei que prevê, expressamente, a possibilidade dessa modalidade de contratação ser realizada por prazo que não ultrapasse o período de 2 anos, a rigor da Lei, de 2008, de número 11.784.

5ª. – atividades finalísticas do Hospital das Forças Armadas; aqui o dispositivo foi inserido em 1999, através da Lei n. 9.849, prevendo a possibilidade de contratação de atividades que não se coadunem com o que de transitoriedade e excepcionalidade cercam as atividades ditas finalísticas de um hospital. Se são finalísticas e possuem caráter de constância e duração prolongada, não há senso jurídico e obediência ao Texto Constitucional ao inclusive prever-se que o prazo máximo de tal contratação será de 2 anos, conforme referido expressamente na Lei 11.784/2008.

6ª. – atividades de pesquisa e desenvolvimento de produtos destinados à segurança de sistemas de informações, sob responsabilidade do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações – CEPESC; tal comando normativo foi inserido através da Lei 9.849/1999, constituindo mais uma hipótese de dispositivo inadequado para o exercício de atividades de pesquisa e desenvolvimento de um Centro que tem, justamente, as atividades de pesquisa e desenvolvimento como finalidades preponderantes. A mencionada contratação não poderá ser realizada por prazo superior a 3 anos, conforme assim determina, em 2003, a Lei 10.667, o que arremata, com foros de indiscutível inconstitucionalidade, tal previsão.

7ª. – atividades de vigilância e inspeção, relacionadas à defesa agropecuária, no âmbito do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, para atendimento de situações emergenciais ligadas ao comércio internacional de produtos de origem animal ou vegetal ou de iminente risco à saúde animal, vegetal ou humana; embora as condicionantes se mostrem um tanto imprecisas nesse dispositivo legal, trata-se de hipótese normativa introduzida pela Lei 9.849 que, em 1999, fruto de sucessivas experiências vividas pela Administração Pública, fez divisar e especificar situação de excepcionalidade que justificaria a contratação de agentes por período determinado. O prazo de tal contratação, no caso, não poderá ser superior a 1 ano, admitindo-se, entretanto, a sua prorrogação por período não superior a 2 anos, conforme assim determina a Lei n. 11.784, de 2008, prazo esse que não nos parece apropriado e adequado a uma contratação que é revestida do caráter de emergencialidade ou de iminente risco à saúde dos animais, vegetais ou seres humanos.

8ª. – atividades desenvolvidas no âmbito dos projetos do Sistema de Vigilância da Amazônia – SIVAM e do Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM; tal previsão normativa foi introduzida em 1999, através da Lei 9.849. O exagero e, consequentemente, a inconstitucionalidade, no caso, é mais do que evidente, pois revela-se de todo desarrazoado e desconforme à ordem jurídica reinante contratar-se, sem concursos públicos, profissionais para exercerem atividades de vigilância da Amazônia, sem o procedimento seletivo previsto na Constituição Federal. O incômodo jurídico ainda mais se destaca ao observar-se que, em 2008, a Lei 11.784, determinou que o prazo máximo de tal contratação deverá limitar-se a 5 anos, o que, à evidência, faz tabula rasa das condições ordinariamente estabelecidas pela Carta Constitucional para a contratação de futuros agentes públicos.

9ª. – atividades técnicas especializadas necessárias à implantação de órgãos ou entidades ou de novas atribuições definidas para organizações existentes ou as decorrentes de aumento transitório no volume de trabalho que não possam ser atendidas mediante a aplicação do art. 74, da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, isto é, de que somente será permitido serviço extraordinário para atender a situações excepcionais e temporárias, respeitado o limite máximo de 2 horas por jornada; trata-se de comando jurídico inserido na lei em 2008, através da Lei 11.784, e que estabelece em 4 anos o prazo máximo de contratação, admitindo-se, entretanto, prorrogações, que não excedam a 5 anos. É mais do que evidente, no caso, tratar-se de forma de contratação que afronta a exigência de concursos públicos para preenchimento dos quadros de pessoal da Administração Pública, como também os princípios da eficiência e da razoabilidade, repise-se, pois é verdadeiramente inadmissível que haja uma duração de até 5 anos para essa forma de contratação dita temporária para os objetivos propostos.

10ª. – atividades técnicas especializadas de tecnologia da informação, de comunicação e de revisão de processos de trabalho, não alcançadas pelo item anterior e que não se caracterizem como atividades permanentes do órgão ou entidade; trata-se de dispositivo inserido através da Lei 11.784, em 2008, sendo fixado em 4 anos o prazo máximo de sua contratação, admitindo-se, ainda, prorrogações contratuais até o limite total de 5 anos, hipótese normativa essa que, assim como aquela mencionada no item anterior, é excessiva e contrária ao Texto Constitucional.

11ª. – atividades didático-pedagógicas em escolas de governo; essas atividades foram previstas em 2008, através da Lei 11.784, fazendo mais uma vez tabula rasa do regime de concursos públicos, e utilizando-se, no caso, de expressões de apelo agradável. A contratação dos profissionais será limitada a 4 anos.

12ª. – atividades de assistência à saúde para comunidades indígenas; mais uma hipótese normativa introduzida em 2008, pela Lei 11.784, incorrendo em flagrante infringência ao princípio da eficiência, pois a atividade em questão sobejamente deveria ser precedente e duradouramente estruturada pela Administração Pública envolvida, não se satisfazendo com a prestação de serviços temporários relativamente à saúde das comunidades indígenas, logo, exigindo-se a seleção prévia e criteriosa assentada na realização de concursos públicos. Segundo tal dispositivo, a contratação poderá se dar pelo prazo de até 1 ano, admitindo-se a prorrogação até o limite de 2 anos.

13ª. – a admissão de professor, pesquisador e tecnólogo substitutos para suprir a falta de professor, pesquisador ou tecnólogo ocupante de cargo efetivo, decorrente de licença para exercer atividade empresarial relativa à inovação; esta hipótese foi introduzida pela Lei 10.973, no ano de 2004, estabelecendo o prazo máximo de contratação de 3 anos, em 2008, pela Lei 11.784, admitindo-se, contudo, a sua prorrogação, por período não superior a 6 anos, conforme redação introduzida, em 2004, pela mencionada Lei 10.973. Não se retira a legitimidade na fixação dessa hipótese, mas fulmina-se de inconstitucionalidade a fixação do avantajado prazo não superior a 6 anos, para substituir-se a falta de um profissional.

Tais hipóteses normativas evidenciam, com bastante eloqüência, que está sendo utilizado, impropriamente, o regime de excepcionalidade que disciplina a contratação de temporários.

Marcio Pestana (*)

(*) Doutor e Mestre em Direito. Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da FAAP. Coordenador do Curso de Direito Público do Curso de Pós-Graduação da FAAP. Advogado. Sócio do escritório Pestana e Villasbôas Arruda – Advogados, com sede em São Paulo e filial no Rio de Janeiro.

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