O LEÃO VIROU ABUTRE
A ilegalidade da cobrança de contribuição previdenciária sobre aviso prévio indenizado
(*) Alcir Kenupp Cunha

Há cerca de trinta anos o leão é o símbolo da Receita Federal. Como parte de uma campanha publicitária, o leão foi escolhido em razão de algumas de suas características: é o rei dos animais, mas não ataca sem avisar; é justo; é leal; é manso, mas não é bobo (1).
Já os abutres são aves de rapina que se alimentam quase exclusivamente de carne putrefada dos animais mortos. A constante presença nos locais de morte tornou-os símbolos desta, aos olhos dos homens (2).

O Governo brasileiro, por meio do Decreto nº 6.727, de 12 de janeiro de 2009, excluiu o aviso prévio indenizado da relação de parcelas pagas ao trabalhador não consideradas como salário-de-contribuição (alínea “f” do inciso V do § 9º do art. 214 do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999). Na prática, significa autorizar a incidência de contribuição previdenciária sobre o aviso prévio pago de forma indenizada ao trabalhador demitido, reduzindo o valor a ser recebido por este, além de implicar mais uma sobrecarga para as empresas.

Conforme matéria divulgada na FolhaNews (3), a Receita Federal do Brasil, (que hoje abarca tanto a arrecadação de impostos como as contribuições previdenciárias), avalia a possibilidade de fazer a cobrança retroativa do tributo, uma vez que entende, que só não houve a cobrança antes por uma “falha” do órgão.

O Decreto vem num momento em que o país começa a sentir os efeitos da crise econômica mundial e as empresas começam a reduzir a produção e também os postos de trabalho, com notícias de milhares de demissões.

A coincidência dessa decisão do governo com o atual momento em que ocorrem demissões em massa, por si só, já seria imoral. Mas, além de imoral, é também ilegal. Vejamos.

O salário-de-contribuição foi definido no art. 28 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e, em relação ao empregado, nos seguintes termos:

Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97) (g.n.)

Ou seja, é salário-de-contribuição o que é pago ao trabalhador como remuneração para retribuir trabalho, seja o efetivamente prestado, seja o tempo à disposição.

Óbvio que, sobre o aviso prévio trabalhado, incide contribuição previdenciária, porém, sobre aquele pago de forma indenizada, não. Nesse caso, o trabalhador foi dispensado e o empregador o liberou de trabalhar durante o período de aviso prévio. Ou seja, o valor pago a título de aviso prévio indenizado não está remunerando trabalho realizado ou tempo à disposição.

Assim, a retirada do aviso prévio indenizado do rol de parcelas que não eram consideradas como salário-de-contribuição, não implica sua automática transformação em base de incidência de contribuição previdenciária. A lei diz o contrário, e o Decreto, como se sabe, ao regulamentar a lei, não pode exceder os limites por ela traçados.

Como disse acima, o abutre é lembrado como o símbolo da morte e se alimenta de cadáveres. Nesses tempos em que o emprego de muitos brasileiros está morrendo, o leão, antes justo, leal e manso, se transformou em abutre, a fim de, com suas qualidades de ave de rapina, se aproveitar da desgraça alheia e arrancar uma lasca da carniça do desemprego.

(1) http://noticias.bol.uol.com.br/economia/2007/03/05/ult4472u22.jhtm

(2) http://www.naturlink.pt/canais/Artigo.asp?iArtigo=2508&iLingua=1

(3) FolhaNews, publicação: 15/01/2009, 21h47

(*) Alcir Kenupp Cunha é Juiz do Trabalho Substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região – Mato Grosso do Sul, Pós-Graduado em Direito Material e Processual do Trabalho com Extensão em Didática do Ensino Superior. Membro da JUTRA – Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho.

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